Suprema Corte dos EUA rejeitou recurso do Halkbank: Erdogan enfrenta possível implicação em escândalo de lavagem de dinheiro para o Irã

O cenário temido por muito tempo pelo presidente turco Recep Tayyip Erdogan — de ser envolvido em um caso criminal federal nos EUA envolvendo bilhões de dólares em lavagem de dinheiro para o Irã — veio à tona publicamente quando ele mencionou abruptamente o processo em andamento contra o Türkiye Halk Bankası A.Ş. (Halkbank) durante um evento conjunto na Casa Branca em 25 de setembro de 2025.
“Eu acredito que hoje teremos a oportunidade de discutir em detalhes a questão das nossas relações em relação ao Halkbank”, disse Erdogan a repórteres ao lado do presidente Donald Trump, que destacou sua recusa em comentar sobre o assunto. No voo de volta à Turquia, Erdogan foi além, afirmando que Trump lhe assegurou pessoalmente que o caso Halkbank estava resolvido.
“Sr. Trump disse, tanto durante nossos contatos nos Estados Unidos quanto em nossa ligação mais recente, ‘O caso Halkbank está encerrado para nós.’ Claro, isso é uma declaração importante de vontade política e também é valiosa para nós. Por outro lado, sabemos que ainda há processos que precisam ser concluídos. Desejamos que esses processos terminem de forma positiva o quanto antes”, afirmou Erdogan a jornalistas.
Menos de 10 dias depois, a Suprema Corte dos EUA rejeitou o último recurso do Halkbank. A decisão, registrada em 6 de outubro de 2025, encerrou os esforços do banco estatal turco para evitar a acusação criminal, encerrando um dos confrontos legais mais significativos entre Washington e Ancara em décadas. O banco buscava imunidade por ser braço do Estado turco. Ao rejeitar o caso, os juízes mantiveram a decisão da Corte de Apelações do Segundo Circuito, permitindo ao Departamento de Justiça seguir com as acusações.
No centro da disputa está a alegação de que o Halkbank desempenhou papel central em uma rede financeira complexa para ajudar o Irã a escapar das sanções dos EUA, canalizando bilhões de dólares em receitas de petróleo e gás por meio de transações de ouro e dinheiro disfarçadas como comércio. Os promotores federais de Nova York dizem que o esquema funcionou de 2011 a 2016 e envolveu autoridades, empresários e intermediários próximos ao então primeiro-ministro Erdogan. Acusam os executivos do Halkbank de conspirar para lavar fundos iranianos usando empresas de fachada e documentos falsificados para disfarçar pagamentos ilegais.
Sob ordens secretas de autoridades do governo alinhadas a Erdogan, o Halkbank teria utilizado exportações de ouro, comércio fictício e envios humanitários fraudulentos para movimentar bilhões pelo sistema bancário global, incluindo redes financeiras dos EUA, permitindo ao Irã acesso a receitas restritas de petróleo e gás depositadas em contas turcas.
Os reguladores dos EUA alertaram repetidas vezes sobre transações irregulares do Halkbank. Em vez de corrigi-las, os executivos responderam com esforços de ocultação, aumentando a suspeita de evasão deliberada de sanções. A operação de lavagem de dinheiro veio a público em dezembro de 2013, quando procuradores turcos apresentaram denúncia após investigação de crime organizado. As descobertas mostraram que gestores do banco e autoridades haviam recebido milhões em propina para facilitar o acesso do Irã ao sistema financeiro e proteger as transações do escrutínio.
A denúncia de 2013 acusou 53 pessoas, incluindo três ministros — Interior, União Europeia e Economia — de suborno e abuso de poder para lavar fundos em nome de Reza Zarrab, operador turco-iraniano de ouro e figura-chave no esquema. Erdogan, então premiê, denunciou a investigação como “tentativa de golpe” e retaliou demitindo policiais, promotores e juízes envolvidos, ordenando o arquivamento das acusações e protegendo aliados políticos. Após ser liberado, Zarrab retomou as atividades de lavagem, aparentemente com apoio de Erdogan.
Em 2016, Zarrab foi preso nos EUA e acusado de violar sanções, fraude bancária e lavagem de dinheiro. Em setembro de 2017, o Departamento de Justiça indiciou Zarrab e outros por “conspirar para usar o sistema financeiro dos EUA para facilitar transações de centenas de milhões de dólares em nome do governo e entidades iranianas.” Zarrab virou testemunha do governo, detalhando o funcionamento do esquema e implicando ministros do gabinete de Erdogan.
Ao fim do julgamento de 2018, Mehmet Hakan Atilla, vice-gerente do Halkbank, foi condenado e preso nos EUA antes de retornar à Turquia em julho de 2019. Os outros indiciados seguem foragidos na Turquia. O depoimento de Zarrab alegou que Erdogan teria ordenado que bancos estatais turcos aderissem à operação em troca de propinas. Evidências documentais citavam figura misteriosa apelidada de “Abi” (irmão mais velho), supostamente Erdogan, que teria recebido parte dos lucros ilícitos. Essas revelações expuseram a profundidade da corrupção e o possível envolvimento da alta cúpula turca.
Erdogan passou a década tentando travar a investigação, pressionando presidentes Obama, Trump e Biden a intervir no caso. Autoridades turcas prenderam americanos e funcionários consulares para usar como barganha, mas sem resultados práticos.
Em 2019, o Departamento de Justiça dos EUA indiciou o próprio Halkbank por conspiração, fraude, lavagem de dinheiro e violação da Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA). A defesa do Halkbank alegava imunidade por ser instrumento do estado turco e dizia que todas as ações eram oficiais. O DOJ, por outro lado, afirmou que as atividades eram comerciais e não protegidas por imunidade. Após longo litígio, a Corte de Apelações decidiu que não havia imunidade, mesmo com estímulo político de Ancara. A decisão da Suprema Corte validou essa conclusão e permitiu que o processo avance.
Autoridades americanas expressaram frustração com as tentativas de influência política de Ancara. Já os turcos acusaram os EUA de politizar o judiciário e usar o caso como instrumento de política externa. Erdogan afirmou repetidas vezes que o Halkbank era vítima de preconceito ocidental e tentou convencer Trump a resolver o caso diplomaticamente, sem sucesso.
O revés legal e reputacional para a Turquia é grande. O banco enfrenta julgamento em Nova York e multas de bilhões. Mais importante: à medida que o processo avança, evidências podem implicar Erdogan e membros de sua família na operação de evasão de sanções, algo que Ancara quer evitar a todo custo.
Circulam rumores de que a Turquia tentou pagar US$ 100 milhões para encerrar o caso. Não está claro se o judiciário americano aceitará tal acordo.
A próxima fase revelará se Erdogan obteve garantias pessoais de Trump para abafar o caso e se o Departamento de Justiça suportará pressões políticas. Está em jogo não só a reputação da Turquia, mas o princípio de que pessoas e empresas não podem alegar soberania para cometer crimes financeiros nos EUA.
O curso do processo determinará se os EUA poderão manter esse padrão e se Erdogan escapará mais uma vez de responsabilidade por um escândalo que assombra seu governo há mais de uma década.
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