Turquia Liberta Detentos do ISIS que Ameaçam a Segurança da Europa: Caso Holandês Expõe Política de Porta Giratória

A prática deliberada da Turquia de permitir que detentos do Estado Islâmico (ISIS) escolham seus destinos, possibilitando que circulem livremente e continuem suas atividades jihadistas fora da Turquia, continua representando uma ameaça à segurança nacional para a Europa. Isso foi provado em um caso holandês, no qual o Tribunal Distrital de Roterdã condenou um cidadão tadjique de 31 anos a cinco anos e meio de prisão por participação prolongada no Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS).
A decisão judicial, proferida em 21 de julho deste ano, descreveu em detalhes meticulosos como a carreira jihadista do acusado se desenrolou em vários países e como a decisão da Turquia de libertá-lo em 2016 abriu caminho para seu estabelecimento definitivo na Europa Ocidental.
O indivíduo, nascido no Tajiquistão em 1994, deixou seu país em 2012 para trabalhar na Rússia. Em 2016, sua trajetória mudou em direção à Síria. Em 17 de fevereiro daquele ano, autoridades turcas o prenderam em Gaziantep, um polo para combatentes estrangeiros tentando cruzar a fronteira rumo à Síria. Posteriormente, ele admitiu a agentes infiltrados holandeses que havia jurado lealdade ao ISIS antes de embarcar nesta viagem e fora à Turquia com intenção de se juntar à jihad.
Em vez de processá-lo segundo as leis turcas ou deportá-lo ao seu país natal, onde já enfrentava acusações criminais, as autoridades turcas o mantiveram detido por pouco tempo, libertando-o em 13 de maio de 2016 e transferindo-o para um centro de deportação. Lá, foi-lhe oferecida a opção de escolher o país de destino, e pouco mais de um mês depois, em 22 de junho de 2016, ele desembarcou na Ucrânia.
Semanas após deixar a Turquia, o acusado foi novamente detido em Kharkiv, em um ponto de transferência ilegal utilizado para mover migrantes da Ásia Central rumo à Síria e ao Iraque. Um tribunal ucraniano determinou sua expulsão, mas ele conseguiu suspender a deportação ao recorrer ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH). Foi libertado em 2017, aguardando o resultado do processo no TEDH, e mudou-se para Kiev, onde restabeleceu laços com redes extremistas.
Em setembro de 2019, ele foi preso novamente por autoridades de segurança ucranianas, em virtude de alerta internacional do Tajiquistão, permanecendo em detenção preventiva até janeiro de 2020. Na prisão, conheceu outro extremista que posteriormente se tornaria figura central em círculos jihadistas baseados na Alemanha.
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, o acusado e seu associado fugiram para o oeste. Sua então esposa e outros contatos jihadistas também escaparam da Ucrânia, reagrupando-se posteriormente na Alemanha. Em 2 de março de 2022, o suspeito tadjique entrou formalmente na Holanda com sua esposa, obtendo permissão de residência válida até 2027 pouco tempo depois.
Não demorou até que os serviços de inteligência holandeses identificassem suas conexões extremistas. Em fevereiro de 2023, o serviço de inteligência AIVD da Holanda emitiu um relatório afirmando que ele aderia à ideologia do ISIS, era ativo em grupos extremistas online, discutia aquisição de armas de fogo e pretendia tirar sua família da Holanda para fazer “algo grande” por Alá.
A investigação policial, denominada 26Ajoux, conduziu grampos, vigilância e infiltrados. Tais operações revelaram que o suspeito converteu um infiltrado ao Islã, levando-o a recitar a shahada (declaração de fé islâmica), incitou a paciência antes de realizar “algo com grande impacto” e elogiou ataques do ISIS na França e Bélgica.
Ele arrecadou fundos para detentos do ISIS, incluindo suspeitos presos em Istambul em 2023 por planejar ataques a consulados, admitiu estar na lista da INTERPOL e declarou que havia feito juramento de fidelidade antes de ir à Turquia em 2016.
O tribunal de Roterdã concluiu que o juramento de lealdade, o financiamento, a propaganda e os laços estreitos com jihadistas alemães condenados comprovam sua participação ativa no ISIS de 2016 a 2023.
A promotoria pediu oito anos de prisão. Os juízes impuseram cinco anos e meio, citando atrasos processuais que violaram o padrão de “tempo razoável”, mas enfatizaram o “grave perigo” apresentado pelo réu à sociedade holandesa.
O caso destaca como o tratamento dado pela Turquia a detentos do ISIS tem consequências continentais. Em 2016, Ancara tinha o suspeito sob custódia em Gaziantep com evidências claras de que pretendia cruzar para a Síria pela jihad. Em vez de processá-lo, as autoridades turcas o liberaram, permitindo seu retorno à Europa e a continuidade do extremismo.
Este não é um caso isolado. Outras ações judiciais europeias rastrearam origens de suspeitos do ISIS até a abordagem permissiva da Turquia. Tribunais alemães em Düsseldorf e Hamburgo julgaram combatentes estrangeiros detidos inicialmente pela Turquia a caminho da Síria e depois liberados, posteriormente condenados por planejar ataques na Alemanha. Vários retornados envolvidos em redes em Paris e Estrasburgo também foram interceptados na Turquia, mas deportados a terceiros países e conseguiram se reagrupar. Serviços de segurança da Suécia relataram retornados do ISIS que passaram pela Turquia após detenção temporária, destacando Ancara como importante ponto de trânsito.
Em fevereiro de 2025, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan recebeu em Ancara Ahmad al-Sharaa, líder de facto da Síria, em visita oficial.
Autoridades europeias de combate ao terrorismo reconhecem, nos bastidores, que a política turca de “porta giratória” – detenção breve seguida de liberação ou deportação – tem prejudicado repetidamente os esforços de conter redes do ISIS. Militantes que poderiam ter sido neutralizados na Turquia acabam ressurgindo em jurisdições da União Europeia, forçando as autoridades nacionais a longas e onerosas investigações.
Relatórios do Nordic Monitor documentam que sob o presidente Recep Tayyip Erdogan a Turquia adotou postura leniente com os detentos do ISIS. Em 2023, o então ministro do Interior Süleyman Soylu revelou que, de quase 2.000 suspeitos detidos em um ano, mais de dois terços foram liberados por promotores ou tribunais em vez de processados por terrorismo. Ele também revelou que, nos cinco anos anteriores, a Turquia enviou formalmente 1.126 militantes do ISIS de origem europeia de volta à Europa, exportando militantes em vez de contê-los.
Uma reportagem anterior expôs como o serviço de inteligência turco mantinha redes de contrabando para facilitar a passagem de operativos do ISIS por rotas turcas rumo à Grécia e à União Europeia. Um alto dirigente do ISIS teria operado a partir da Turquia para administrar estas rotas de trânsito.
Outra investigação revelou que um financiador do ISIS obteve cidadania turca e gerenciava um suposto negócio de aluguel de carros em Istambul, que servia de fachada para a logística de transporte de militantes rumo à Europa. A empresa fornecia veículos, suporte logístico e documentação falsificada para ajudar combatentes a viajar da Síria/Iraque através da Turquia até a Grécia e os Bálcãs.
Esses relatos indicam um padrão sistêmico em que o aparato estatal turco (judiciário, inteligência, segurança) facilitava passivamente ou ativamente o trânsito, a liberação ou o remanejamento de integrantes do ISIS.
A condenação em Roterdã demonstra como as decisões tomadas pela Turquia há quase uma década ainda afetam a segurança europeia. Um homem antes sob custódia na fronteira síria ressurgiu na Holanda, estabeleceu operações e recrutamento jihadista e arrecadação de fundos por anos. O caso holandês é, portanto, não só um marco jurídico doméstico, como uma ilustração viva de como o tratamento permissivo da Turquia reverbera na linha de frente do contraterrorismo europeu.
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